O setor automóvel está a enfrentar uma das maiores crises, com os resultados a ficarem abaixo das expectativas, pressionados pela inflação, pelas perspetivas económicas mais baixas e pelos efeitos dos limites das emissões. Eis alguns dos pontos essenciais que ajudam a explicar a situação.
- As normas europeias para o controlo de emissões
- O abrandamento dos elétricos
- A ameaça chinesa
- Redução dos lucros
- Cortes na produção, encerramento de fábricas, despedimentos e reestruturações
1. As normas europeias para o controlo de emissões
Os padrões europeus para o controlo de emissões de gases nocivos pela indústria automóvel foram estabelecidos no início da década de 1990, tendo os requisitos sido apertados ao longo dos anos. A mais recente norma, a Euro 7, aprovada pelos países da União Europeia (UE) em abril deste ano, entrará em vigor em 2026 e segue o objetivo de se alcançar a neutralidade de emissões em 2050.
A UE argumenta que o setor dos transportes é responsável por 25% das emissões de gases de efeito de estufa na sua área. Destes 25%, 71% são resultantes da indústria automóvel, seguindo-se a aviação (14,4%) e a indústria naval (13,5%).
Como forma de garantir o cumprimento destas normas - que incluem metas como a média de emissões da frota comercializada --, as autoridades europeias impuseram multas por carro e por grama acima do estipulado.
A história já tinha acontecido entre 2020 e 2021, quando a indústria automóvel teve de reduzir as emissões médias de dióxido de carbono para 95 gramas por quilómetro (g/km) no ciclo NEDC ou 110,1 g/km no ciclo WLTP, indicadores que medem as emissões de CO2.
Com o início de 2025, a indústria automóvel vai ter de cortar este indicador em 15%, para um valor médio de 93,6 g/km no regime WLTP.
Mas se há quatro anos a indústria pagou multas acumuladas em cerca de 500 milhões de euros, agora o setor estima que as compensações atinjam até 15 mil milhões de euros. Os números foram avançados em setembro pelo presidente da Associação Europeia de Construtores de Automóveis (ACEA) e diretor executivo do Grupo Renault, Luca de Meo.
"Se os veículos elétricos continuarem ao nível a que estão hoje, a indústria europeia pode ter de pagar 15 mil milhões de euros em multas, ou cessar a produção de mais de 2,5 milhões de veículos", alertou de Meo, então, numa entrevista à rádio France Inter.
2. O abrandamento dos elétricos
Após vários anos de forte crescimento, as vendas de automóveis elétricos estão agora em marcha-atrás, devido, nomeadamente, à redução dos prémios de compra em alguns países, mas também à antecipação de normas de emissão de CO2 mais rigorosas, que deverão permitir a chegada aos concessionários de modelos mais acessíveis.
De acordo com os dados mais recentes da ACEA, entre janeiro e outubro deste ano, os elétricos representaram 13,2% dos novos veículos registados, contra 14% um ano antes, tendo sido vendidos menos 4,9% unidades no ano anterior.
Os elétricos são, por norma, mais caros do que os veículos a combustão interna a gasolina ou a gasóleo, uma diferença que se explica com os custos com investigação e com as baterias. E, se ao início havia ceticismo quanto à autonomia, esta hoje é maior e são muitos os modelos com capacidade para mais de 500 quilómetros com apenas um carregamento.
Ao mesmo tempo, também a incerteza sobre o futuro da economia, com expectativas de crescimento abaixo do previsto, tem levado os consumidores a tomarem maiores cautela na compra de um carro novo.
3. A ameaça chinesa
Face a estes custos superiores, o mercado europeu começou a ver uma crescente penetração de fabricantes chineses, que apesar do ceticismo resultante da proveniência dos modelos, chegaram ao mercado a preços mais acessíveis do que a produção europeia, norte-americana ou da restante Ásia.
Em outubro de 2023, a Comissão Europeia (CE) iniciou uma investigação a alegadas subvenções estatais chinesas a fabricantes do país e que chegaram a uma quota de 8% do mercado com preços cerca de 20% abaixo dos concorrentes comunitários.
No seguimento dessa investigação, o executivo comunitário aplicou taxas punitivas de 35,3% ao fabricante chinês SAIC (MG e Maxus, entre outras marcas), de 18,8% à Geely e de 17% à BYD, por um período máximo de cinco anos.
A medida afetará também as empresas ocidentais que produzem na China, como a norte-americana Tesla, que ficará sujeita a uma taxa de 7,8%, enquanto outras que tenham cooperado com a Comissão na investigação que esta desenvolveu antes de aprovar as taxas ficarão sujeitas a uma taxa de 20,7%.
A Comissão declarou que suspenderia os direitos aduaneiros em caso de acordo com a China durante os próximos cinco anos, mas não os cancelaria, a fim de ganhar tempo para os voltar a aplicar se Pequim não cumprisse o acordo.
4. Redução dos lucros
Neste enquadramento, algumas das maiores fabricantes começaram a ver reduções dos seus lucros, seja por problemas no fornecimento de matérias-primas, pela quebra de rentabilidade e de vendas em mercados-chave.
Nos nove meses até setembro, o Grupo Volkswagen, que conta com Audi, Skoda, Seat, entre outros, viu o número de entregas de carros de passageiros cair 2,9% e os seus lucros baixarem 30,7%, para 8.917 milhões de euros.
Na Stellantis, resultante da fusão entre PSA e Fiat-Chrysler, o número de veículos vendidos baixou 8,6% no mesmo período e, sem anunciar resultados líquidos, registou que quebras de 18% nas receitas.
Também o Grupo Renault registou descidas nas unidades vendidas, perdendo 0,4% até setembro e 1,1% nas receitas automóveis.
Na gigante japonesa Toyota, cujo ano fiscal começou em abril, o acumulado do primeiro semestre mostrou uma descida de 4% face ao homólogo em automóveis vendidos e uma redução de 26,4% do seu lucro.
A norte-americana Tesla, considerada uma das líderes mundiais nos veículos elétricos, baixou os lucros em 32,5% até setembro, apesar de ter subido as entregas em 6,4%.
Em sentido inverso, a Volvo, da esfera da Geely e uma das poucas que consegue garantir o cumprimento das metas de missões em 2025, viu os seus lucros crescerem 26,7% até setembro, impulsionados pela subida de 10% no número de carros vendidos.
5. Cortes na produção, encerramento de fábricas, despedimentos e reestruturações
Este abrandamento do setor levou várias das empresas a avançarem com medidas para conter impactos na sua atividade.
A nível mundial foram várias as empresas que anunciaram já redução do seu número de trabalhadores: a Nissan estima cortar 9.000 postos de trabalho e a Stellantis já anunciou várias reduções de centenas de empregos.
Por sua vez, o Grupo Volkswagen anunciou que vai encerrar três fábricas e suprimir milhares de postos de trabalho -- dentro do grupo, a Audi vai perder perto de 4.500 funcionários.
Também a Ford anunciou a redução de 4.000 trabalhadores na Europa até 2027 e a redução do tempo de trabalho dos funcionários da fábrica alemã de Colónia.
Os impactos estão também a notar-se nas fabricantes de peças, como a Bosch, que já disse prever suprimir 5.550 postos de trabalho a nível mundial, mas principalmente na Alemanha.